quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Oferta da viuva. Lucas 21.1-4

 

evangelho_Lc21_1-4

Autoria

Ao que parece, a maioria dos teólogos (se não todos), concordam que o autor da carta do Evangelho de Lucas foi realmente Lucas quem escreveu. Leon Morris concorda com essa afirmação. Para ele o autor do Evangelho de Lucas é o mesmo do livro de Atos.[1]

No Novo Dicionário da Bíblia organizado por J. D. Douglas a mesma interpretação dada por Morris.[2]

Já Laurence E. Porter é mais completo em sua resposta (mesmo tendo a mesma idéia que os outros autores) quanto a autoria do Evangelho de Lucas, Porter diz que os autores dos Evangelhos são anônimos, com o passar do tempo a tradição antiga atribuiu o nome dos autores, com isso a autoria dada a Lucas foi dada no século II[3]. São muito forte as evidencias que levam a crer que Lucas foi realmente quem escreveu a carta de Atos dos Apóstolos.

As evidencias de que foi Lucas o autor da carta são realmente convincentes. Há mais evidencias a favor de Lucas ser o autor do que provas negativas. Com base dos escritos citados acima, cremos que realmente Lucas foi o autor do Evangelho de Lucas.

Local e Data

Robert Thomas, cita Conzelmann, para descrever o período que o evangelho de Lucas foi escrito. Ele diz:

“Lucas, escrevendo mais ou menos na mesma época de Mateus ou depois dele (talvez em torno de 90 d.C. ou depois)...”[4]

Laurence E. Porter diz que é muito difícil datar o período em que a carta foi escrita. Sua argumentação é bastante valida, pois, ao invés de ir logo datando, ele nos mostra as três opniões que tem sido discutida e por final ainda nos mostra uma quarta possibilidade. Esta quarta é uma conclusão feita por ele através de estudos. Porter diz que a data mais defendida é a de 80-85 d.C., o argumento principal é que provavelmente a carta foi escrita após a quede de Jerusalém em 70 d.C.[5] A segunda opnião é a de 100 d.C. em razão de Josefo ter mencionado alguns eventos a época.[6] O terceiro seria o de antes de 70 d.C., se tratando de Atos dos apóstolos ter sido escrito nesse período antes da morte de Paulo, com isso o livro de Lucas teria sido escrito antes dessa época. Mas a data que Porter aposta é a de em torno de 60 d.C.

Para Broadus Hale muitas evidencias tem que ser levadas em consideração para datar a epistola de Lucas. Primeiramente devemos analisar que a epistola foi escrita antes de Atos, de acordo com At. 1.1. Provavelmente Lucas usou fontes do Evangelho de Marcos como apoio, e ainda outro fator é o propósito teológico que a carta foi escrita. Levando tudo isso em consideração, Hale data a espistola para a metade do ano de 60 d.C.[7]

Para os autores citados, é muito difícil identificar um local de onde a espistola foi escrita, se tratando que Lucas era muito ligado a Paulo, podemos considerar que Lucas escreveu em Roma, com incentivo de Paulo. Visto que há muitas evidencias sobre a data em que foi escrita a epistola, podemos citar a data de 60-70 d.C. Já o local não podemos prever onde foi escrita, podemos prever que foi escrita em uma das viagens de Lucas com Paulo.

Destinatários

Lucas é o único evangelho com indicação de um destinatário: Teófilo (Lc 1,3). Quem é, porém, Teófilo? Há diversas opiniões. Pode ser alguém nobre e rico que financiou a obra, como era costume na época. (um mecenas); pode ser também algum magistrado romano a quem Lucas quer apresentar Jesus como salvador do mundo e defender os cristãos; Pode ser também que "Teófilo", que significa "amigo de Deus", seja um nome simbólico. O nome Teófilo na cultura grega – que Lucas conhecia muito bem – significa amigo de Deus.  Lucas escreveu provavelmente para as comunidades que ele havia conhecido, quando era companheiro de Paulo.  Estas comunidades viviam lá seus problemas, mas eram fiéis a Deus, ou seja, eram amigos de Deus.  Considero, portanto, apropriado que Teófilo (= amigo de Deus) seja cada comunidade seguidora de Jesus, o filho de Deus, no tempo de Lucas e em nosso tempo.

Os destinatários do Evangelho de Lucas eram as comunidades urbanas das cidades gregas do Império Romano. A imagem da parábola é típica da sociedade urbana - tanto a de então como a de hoje! Dum lado, o rico que esbanja dinheiro e comida em banquetes e futilidades, e doutro lado o pobre miserável, faminto e doente. Ambos vivem lado ao lado, sem que o rico tome conhecimento da existência e dos sofrimentos do pobre! Quantos exemplos disso existem hoje - lado ao lado com a maior opulência, a mais desumana miséria, e entre as duas situações uma barreira de cegueira e indiferença?

O livro foi destinado a Teófilo. Seu nome significa "amigo de Deus". O tratamento que Lucas lhe dispensa: "excelente", "excelentíssimo" ou "digníssimo", conforme a versão que se utilize, tem levado a crer que Teófilo era uma autoridade pública, um oficial romano.

Propósito

Segundo a visão de Hale, o propósito da qual Lucas escreve a epistola é:

“o propósito de Lucas foi apresentar Jesus Cristo e a salvação que ele oferece. Lucas estava interessado numa pessoa histórica e quis apresentar essa pessoa tal como ela viveu, serviu, morreu e foi ressuscitada. Ele escreveu a história como algo cumprido no tempo, não algo que apenas aconteceu; era Deus operando na redenção de sua criação, e não simplesmente um acidente na história.”[8]

Hale ainda menciona que há propósitos teológicos a apologéticos de Lucas, são eles: dar certeza da autenticidade dos evangelhos, dar um relato ordenado, o problema judaico-cristão, e a demora da volta de Jesus.[9]

J. D. Douglas diz que Lucas escreve para que os crentes cristãos tivessem sua fé alicerçada num firme fundamento.[10] Douglas ainda diz que o propósito de Lucas não era em criar especulações filosóficas, pelo contrario, ele confiava em Jesus Cristo, como salvador do mundo e Filho de Deus. Com isso Lucas escreve com intenção de mostrar aos crentes as obras e salvação de Jesus Cristo.

Robert Thomas cita Conzelmann e diz que Lucas esboça três períodos diferentes. O período de Israel, o ministério de Jesus e o após a ascensão, porem o autor se mantem mais nos segundo e terceiro períodos. Seu propósito era mostrar as obras de Cristo e logo o Cristo Glorificado.

O propósito da carta de Lucas é talvez o ponto menos abordado pelos autores. Talvez o propósito maior é mostrar Jesus Glorificado, que realizou as obras do Pai e hoje nos fortifica com a presença do Espírito Santo.

Contexto Social, Religioso, Político e Econômico.

Nos tempos de Jesus haviam muitos preconceitos entre as classes sociais, políticas e religiosas. O próprio Jesus sofreu com preconceitos em todas estas áreas. Nos tempos bíblicos, os judeus ao ouvirem as palavras “gentios” ou “samaritanos” se arrepiavam. Os preconceitos religiosos e raciais eram bem presentes nos dias de Jesus, quanto a isso Halle diz:

“Há muitas passagens, em Lucas, que tratam das relações entre as pessoas na vida diária. O profundo interesse que Jesus tinha por aqueles que estavam fora da esfera da responsabilidade social e religiosa é evidente em toda parte. Os samaritanos são um destes casos. Apenas Lucas apresenta a Parábola do Bom Samaritano (10:25-37), e é mostrado que, dos dez leprosos curados por Jesus, somente um samaritano voltou para expressar gratidão (17:11-19). Somente em João e Lucas, dos escritores dos Evangelhos, há uma compreensão simpática demonstrada para com os samaritanos. Em Mateus e Marcos, a única referência aos samaritanos é derrogatória (Mat 10:5). Os pobres também têm uma parte proeminente. Somente em Lucas há tais histórias como a do Rico Insensato (12:13-21), Lázaro e o Rico (16:19-31), e o incidente da viúva e sua oferta (21:1-4). Mesmo na mensagem de João Batista, conforme vista por Lucas, esta relação social sobressai (3:7-14)”.[11]

Willian Coleman nos diz que havia entre os judeus um forte sentimento de rivalidade entre ricos e pobres.[12] Os pobres eram muito descriminados pelos ricos, mas também eles tratavam os ricos com grande deferência. A riqueza era símbolo de status social e em algumas comunidades tinham posições privilegiadas.[13] Havia a camada intermediaria, que era constituída de pequenos proprietários de terra, profissionais artesões, centuriões e até soldados romanos. Abaixo deles estavam realmente os pobres que não possuíam nada e se sustentavam fazendo bicos nos portos e na agricultura em geral. Haviam também aqueles que eram pobres por opção.

Quando Jesus começa seu ministério, havia entre os judeus diversos tipos de grupos, todos com objetivos próprios.[14] Haviam os zelotes, grupo religioso que se dispunha em matar e a morrer por seus ideais.[15] Este partido é descrito por Josefo como a “quarta filosofia” entre os judeus.[16] Haviam também os macabeus que foram um movimento em que os judeus lutaram heroicamente para tentar derrubar os domínios gregos e sírio.[17] Os fariseus consideravam-se os interpretes da lei.[18] Os saduceus eram homens ríspidos e pouco comunicativos, não se comunicavam nem mesmo com pessoas conhecidas. Ao contrario dos saduceus, os fariseus acreditavam na ressurreição dos mortos, este era um dos principais pontos de doutrina, fazendo com que se tornassem conhecidos.[19] Jesus Cristo criticou asperamente tanto fariseus quanto os saduceus.

Por volta de 63 a.C, a Palestina caiu sob o domínio do exercito de Pompeu, a partir daí a lei romana foi imposta. O povo ainda podia manter seus costumes e religião, mas a palavra final sempre vinha de Roma. Por volta de 26 d.C, durabte o reinado do imperador Tibério, a Judéia passou a ser governada por Pôncio Pilatos, responsável pela horrível morte de Jesus na cruz. Pilatos era odiado pelos judeus, por tentar colocar em Jerusalém imagens romanas.[20]

Lucas 21.1-4

Em Lucas encontramos o relato de uma viúva pobre, que tinha em suas mãos apenas duas moedinhas e ofertou tudo o que tinha. Jesus esta no pátio do templo, e observa toda ação desta viúva e dos ricos que estão ofertando. Percebemos que Jesus se admira com a atitude desta viúva, pois estas não tinham uma vida boa para que pudesse ofertar. Todos ali podiam esperar alguma outra atitude desta viúva como comprar alimento para saciar sua fome, mas não, ele ofereceu tudo o que tinha para Deus. Herbert Lockyer diz o seguinte a respeito das viúvas:

“As viúvas têm um lugar de destaque na Bíblia. Na época de nosso Senhor eram, até cer­to ponto, desprezadas, e constituíam presa fácil para qualquer homem que não tivesse princípios. Eram pobres e portanto não tinham al­guém para protegê-las e resgatá-las. Sua única esperança era recorrerem aos que administravam a justiça para que interviessem a seu favor. Quase sempre despertavam pena e, por isso, a sua impotência em defen­der-se era reconhecida com miseri­córdia pela lei judaica. "A nenhuma viúva afligireis" (Êx 22:22-24; Dt 10:18; 24:17). A religião pura inclui o cuidado para com as viúvas em sua aflição (Tg 1:27).”[21]

Já Merril C. Tenney diz que as viúvas nos tempos do Novo Testamento, achava-se numa posição muito segura.[22] Willian Colleman diz que as viúvas eram defraudadas justamente por aqueles que se passavam por religiosos, os fariseus. Eles “devoravam” as casas das viúvas, pegavam tudo o que elas ainda tinham. Jesus acusou eles diretamente a respeito disso (Mc 12.40).[23] Mesmo pensamento de J. D. Douglas que destaca as atitudes dos fariseus com as viúvas[24]. J. D. Douglas ainda enaltece o trabalho da igreja primitiva em favor às viúvas.

Na tradução da linguagem de hoje diz na parte “b” de Lucas 21.4 “Porem ela, que é tão pobre, deu tudo o que tinha para viver”, Leon Morris diz que o valor monetário destas duas moedas era baixo, cerca de um oitavo de um centavo norte americano, 25 centavos brasileiros no fim do ano de 1982[25], cerca de 10 centavos da moeda brasileira hoje. Como conseguiria viver uma pessoa com estes 10 centavos? Compraria o que para comer? Isso era o que menos importava para a tal viúva. Ele deposita tudo o que tem no gazofilácio do templo. O gazofilácio segundo Leon Morris era:

“segundo parece, o nome dado a uma seção do átrio das mulheres onde havia treze caixas para ofertas, com formato de trombeta. Cada uma tinha uma inscrição que indicava para qual uso seu conteúdo seria dedicado”.[26]

Aqui ao que parece Jesus não esta fazendo uma comparação com “espiritualidade” da pessoa, mas esta sim falando de oferta, dinheiro. O valor da oferta é o que menos importa para Jesus. Para Ele, o que importa é o sacrifício e o amor que a pessoa tem em estar ofertando no templo. F. F. Bruce diz:

“Em contraste com alguns ricos que Jesus viu colocarem grandes quantias (v.41), essa viúva, da forma mais discreta possível, sem duvida, colocou em uma delas duas pequeninas moedas de cobre (v 42). A razão de Jesus ter anunciado que essa era uma oferta maior que a dos ricos (v 43) deveu-se ao fato de ser uma oferta sacrificial, enquanto os ricos ainda retinham muito para o seu uso pessoa”[27]

Leon Morris caminha no mesmo sentido de interpretação de Bruce e complementa;

“Jesus mostra que o valor monetário de uma dádiva não pe tudo. Há um sentido em que a viúva fez a maior oferta de todas. As palavras de Jesus, “deu mais do que todos” significam literalmente, não “mais do que qualquer deles”, mas, sim, “mais do que todos eles juntos. ”Se a medida da oferta fosse o que sobrou depois de dar, ele certamente ultrapassou a todos eles, porque eles deram “daquilo que lhes sobrava” e portanto, ainda tinham muito dinheiro. Ela deu tudo quanto tinha. Este é sacrifício real.”[28]

Robert Thomas também destaca o sacrifício verdadeiro feito pela viúva. Para ele este é um exemplo de uma verdadeira piedade.[29]

Todos os autores são unânimes em destacar o sacrifício oferecido pela viúva. É difícil imaginar nós, dando tudo o que temos para Deus. Muitas vezes é mais fácil fazer como aqueles ricos, dar o que não nos faz falta. Jesus sabia que os ricos poderiam fazer mais, doar mais, assim como sabia que a viúva deu tudo o que tinha. Realmente não há nada escondido da face do Senhor!

Bibliografia

BRUCE, F. F. Comentário Bíblico NVI – Antigo e Novo Testamento; Trad. Valdemar Kroker: São Paulo. Editora Vida. 2009.

COLEMAN, Willian L. Manual dos Tempos e Costumes Bíblicos: Belo Horizonte – MG. Editora Betânia. 1991.

DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia; trad. João Bentes: São Paulo. Ed. Vida Nova. 2006.

HALE, Broadus David, Introdução ao estudo do Novo Testamento. Tradução Cláudio Vital de Souza: Rio de Janeiro, Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1983.

LOCKYER, Herbert. Todas as Parábolas da Bíblia. São Paulo. Ed Vida. 1999.

MORRIS, Leon C. Lucas, Introdução e Comentário; trad. Gordon Chows; São Paulo. Ed. Vida Nova. 1983

TENNEY, Merric C. Vida Cotidiana nos Tempos Bíblicos: trad. Luiz Caruzo: São Paulo. Editora Vida. 1982.

THOMAS, Robert. Harmonia dos Evangelhos; Trad. Valdemar Kroker: São Paulo. Editora Vida. 2007.

VAMOSH, Miriam V. A Vida Diária nos Tempos de Jesus: Editorial Franciscana. 2003.


[1] MORRIS, Leon. Lucas, Introdução e comentário. p. 12-13

[2] DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. p. 802

[3] BRUCE, F. F. Comentário Bíblico NVI – Antigo e Novo Testamento. p.1637

[4] THOMAS, Robert. Harmonia dos Evangelhos. p. 251

[5] BRUCE, F. F. Comentário Bíblico NVI – Antigo e Novo Testamento. p. 1637

[6] Idem

[7] HALE, Broadus David, Introdução ao estudo do Novo Testamento.p. 93

[8] HALE, Broadus David, Introdução ao estudo do Novo Testamento.p. 89

[9] Idem. p. 89-93

[10] DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. p. 803

[11] HALE, Broadus David, Introdução ao estudo do Novo Testamento.p. 93

[12] COLEMAN, Willian L. Manual dos Tempos e Costumes Bíblicos. p. 296

[13] Idem

[14] COLEMAN, Willian L. Manual dos Tempos e Costumes Bíblicos. p. 243

[15] Idem

[16] DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. p. 1393

[17] COLEMAN, Willian L. Manual dos Tempos e Costumes Bíblicos. p. 249

[18] VAMOSH, Miriam V. A Vida Diária nos Tempos de Jesus. p. 29

[19] Idem

[20] Idem. p. 15

[21] LOCKYER, Herbert. Todas as Parábolas da Bíblia. p. 386

[22] VAMOSH, Miriam V. A Vida Diária nos Tempos de Jesus. p. 20

[23] COLEMAN, Willian L. Manual dos Tempos e Costumes Bíblicos. p. 38

[24] DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. p. 1386

[25] MORRIS, Leon. Lucas, Introdução e comentário. p. 276

[26] Idem

[27] BRUCE, F. F. Comentário Bíblico NVI – Antigo e Novo Testamento. p. 1628

[28] BRUCE, F. F. Comentário Bíblico NVI – Antigo e Novo Testamento. p. 277

[29] THOMAS, Robert. Harmonia dos Evangelhos. p. 158

Nenhum comentário:

Postar um comentário